sábado, 14 de maio de 2011

Pessoa certa


Assim como na TV, existem milhares de pessoas certas, não se engane, ainda chegarás ao infortúnio de encontrar a sua.
    Sabe quando mulher diz o oposto do que quer? Era só eu dar um apertão mais afincado naquela parte interna da coxa pra ela me sair com aquela clássica. Não vai escrever sobre isso, hein? Hein? Hein? Vai, né? Eu sei que vai. Não vou, pessoa certa.
    O "não vou", eu pensava enquanto meu sorriso amarelecia concordante, com o indicador e o polegar naquele movimentinho tipo "saquei a piada". Escritor, nós aqui, pessoa certa, apertão na virilha, escrever sobre isso. Saquei, saquei. Rá-rá. Ai, ai, pois é. Não, não vou. Coisa chata.

     Eu havia certamente encontrado a pessoa certa depois de me debater durante uns três invernos e uns dois verões. Como eu sabia? Eu não tinha a menor vontade de escrever sobre. Pessoa certa, quilos a mais, textos a menos. A fórmula que sempre acreditei. Meu indicador de felicidade interna bruta. Coisa chata.

     Não tinha erro, era a pessoa certa. Quando dava dez da noite, o telefone tocava de modo que já era costumaz. Voz doce e paciente. Não tinha erro. Pessoa tão certa que nem parecia uma mulher, era uma nora já feita. Bem resolvida, bem sucedida, de bem com o corpo, com a mente e com a vida, mantinha o ciúme, as angústias, os fricotes em cativeiro. Sabe gente que de tão perfeita chega a ser chata? Assim, geometricamente paradoxal mesmo. A pessoa certa pra mim e pra vender adoçante na TV. Essa última frase eu disse uma vez e prometi também não publicar.

     E quando resolveu me dar? Na condição de que eu não escrevesse sobre o fato uma vez consumado. Por quê? O que vai rolar fora de lugar? Nada, ué. Só sexo. Aquela coisa, torce, retorce, rola daqui, pega dali, conchinha pra um lado, um minuto, conchinha pro outro, outro minuto, por cima, por baixo. Nem um tapa na cara solto durante o sexo, um pronome depreciativo. Tipo "Seu puto desgraçado, gosta de me traçar, né?" Que isso, pessoa certa?  Educada por irmãs carmelitas, o que vão pensar? Deixa esses jargões do cais pra suas negas, meu bem. Até "negas" ela me deixaria ter. Perfeita. Coisa chata.

     Nem um errinho de nada. Então escrever sobre o quê, criatura de deus? Me diz. Como escrever sem vírgulas ou pontos de interrogação? Me diz. Nem um ódiozinho? Sim. Mas não aquele de cor avermelhada, que dá pano pra manga. Apimenta textos e a relação. Um ódio transparente, franco, sincero. Não uma máscara de uma infindável fonte de amor, sexo e minúcias sórdidas. Ódio mesmo. Uma raiva. Como levantar segunda-feira, sabe? Perto dela, toda hora era o despertar de uma segunda-feira. Dá uma bitoquinha aqui. Mas não escreve sobre isso, tá? Não vou, mulher, não vou!

     Estamos sempre atrás da pessoa certa, aquela de novela das oito, loucos pra tomar água-de-côco com vista pro mar. Assim como na TV, existem milhares de pessoas certas, não se engane, ainda chegarás ao infortúnio de encontrar a sua. Prepare-se para dias de absoluto fastio. O signo certo. Fala as coisas certas. Com as atitudes certas. Usa pijama pra dormir, come frango à passarinho de garfo e faca, não pula carnaval, gosta de Cecília Meirelles e fala "belíssimo" e nunca "horrores". Tudo no lugar, dentro do contexto.

     E o pior: a pessoa certa sempre chega na hora certa, sabe que é a pessoa certa, encaixa em nossos planos e traz consigo toda aquela felicidade que chega pra ficar. Principalmente quando achamos que é daquilo tudo que precisamos. Mas o mundo é incerto e estranhamente a pessoa errada sempre funciona melhor. Pra todo mundo é assim, o que dirá pra quem vive de histórias.

2 comentários:

  1. Que texto lindo *.*
    Amei a historinha e concordo sobre as pessoas certas. Não adianta ficarmos obcedados com uma coisa que sempre aparece naturalmente. Tudo tem seu tempo... só tive pessoas certas até hoje, mas pelo visto tô precisnado mesmo é de uma pessoa errada hihihi.

    Bjuz

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  2. E é assim que prossigo a vida
    Perdida entre todos
    Dentre todos os muitos certos
    Dos muitos certos os que não preciso
    E os que ainda não conheci.

    Belo texto.
    Beijocas da Sam.

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